Aplicação, Interpretação e Integração da Norma Jurídica
Depois que uma lei é criada, ela
vai ser aplicada. Na sua criação, ela é genérica, ela se refere a casos
indefinidos, é o que chamamos tipo na linguagem técnica, é a norma jurídica.
Esta lei fica de certo modo
afastada da realidade, quem irá fazer a ligação entre a norma ou lei e o caso
concreto (o fato) será o Juiz (ou magistrado).
Quando uma pessoa ajuíza uma ação
(qualquer ação) com um problema concreto, é o juiz quem vai analisar este caso
concreto e, de acordo com o tipo, enquadrá-lo em algum conceito normativo, ou
seja, vai encontrar dentro do nosso ordenamento jurídico qual a melhor lei para
o caso. Em outras palavras, qual a norma jurídica que se aplica na resolução da
questão.
Utilizando as palavras da doutrinadora
Maria Helena Diniz:
“Na
determinação do direito que deve prevalecer no caso concreto, o juiz deve verificar
se o direito existe, qual o sentido da norma aplicável e se esta norma aplica-se
ao fato sub judice. Portanto, para a subsunção é necessária uma correta
interpretação para determinar a qualificação jurídica da matéria fática sobre a
qual deve incidir uma norma geral”.[1]
E conforme Carlos Roberto
Gonçalves:
“Quando o fato
é típico e se enquadra perfeitamente no conceito abstrato da norma, dá-se o
fenômeno da subsunção”.[2]
Por vezes pode o juiz se deparar
com casos não previstos nas normas jurídicas ou que, se estão, podem por sua
vez ter alguma imperfeição, na sua redação, alcance ou ambiguidade parecendo
claro num primeiro momento, mas se revelando duvidoso em outro.
Quando um destes casos aparece o
juiz terá que se utilizar da hermenêutica, que vem a ser uma forma de
interpretação das leis, de descobrir o alcance, o sentido da norma jurídica,
trata-se de um estudo dos princípios metodológicos de interpretação e
explicação.
Ainda de acordo com Maria Helena
Diniz:
“As funções da
interpretação são:
a) conferir a
aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram origem;
b) estender o
sentido da norma a relações novas, inéditas ao tempo de sua criação; e
c) temperar o alcance do preceito normativo,
para fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social, ou
seja, aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir”.[3]
A hermenêutica é então o
paradigma (o modelo) que o intérprete vai seguir para extrair o verdadeiro
sentido da norma. Neste ponto devemos fazer uma observação: o juiz irá
interpretar a lei, para melhor adequá-la ao caso concreto, mas esta
interpretação e a solução terão de observar os preceitos jurídicos.
Tem que revelar o sentido
apropriado para a realidade, de acordo com uma sociedade justa, sem conflitar
com o direito positivo e com o meio social.
Para a realização da interpretação, existem algumas técnicas
e elas são cobradas em concurso, então vamos a elas:
·
Gramatical
– onde o interprete analisa cada termo do texto normativo, observando-os
individual e conjuntamente;
·
Lógica
– nesta técnica o interprete irá estudar a norma através de raciocínios lógicos;
·
Sistemática
– onde o interprete analisará a norma através do sistema em que se encontra
inserida, observando o todo para tentar chegar ao alcance da norma no
individual, examina a sua relação com as demais leis, pelo contexto do sistema
legislativo;
·
Histórica
– onde se analisará o momento histórico em que a lei foi criada e;
·
Sociológica
ou teleológica – é técnica que está prevista no artigo 5º da LINDB: Na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências
do bem comum.
Como mencionamos anteriormente,
as leis são criadas de uma forma genérica, isto para atender o maior número de
pessoas. Mas, com o mundo em constante evolução, as situações individuais e
sociais também se transmutam e, muitas vezes, o legislador não consegue
imaginar todos os caminhos e situações possíveis para uma norma, o que resulta
em uma lacuna da lei.
Isto está retratado no artigo 4º
da LINDB:
Art. 4º. Quando
a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais do direito.
Deste artigo se depreende que o
juiz não pode se recusar a analisar e julgar uma causa tendo como alegação a
omissão da lei.
Também nesta norma, o legislador previu
qual será a fórmula que o juiz deverá utilizar para resolver a questão. Neste
momento o juiz deverá utilizar os meios de integração da norma.
DICA: Integrar
significa preencher a lacuna
Veja a seguinte situação, Carla
ajuíza uma ação, que de acordo com um trâmite legal vai ser distribuída e assim
chegar às mãos do juiz. Este ficará responsável pela demanda. Ao analisar o
pedido de Carla, o juiz percebe que não existe no ordenamento jurídico uma
norma que se encaixe de forma objetiva e clara ao caso concreto.
Mas o juiz não pode se recusar a
dizer o direito (não pode deixar de se pronunciar). A forma, então, utilizada
para colmatação (preenchimento) das lacunas será utilizar-se dos meios de integração
expressos no artigo 4º da LINDB.
Estes meios deverão ser utilizados
na ordem prevista na norma – ordem hierárquica – qual seja:
1º Analogia;
2º Costumes e
3° Princípios
Gerais do Direito.
Analogia
Para suprir a lacuna que se
apresenta, o juiz utilizará uma norma aplicada a um caso semelhante. Por
exemplo: existe uma situação “A” para a qual não existe norma objetiva e
direta, mas existe uma situação “B” – que é muito semelhante ̀ situação “A”,
para a qual existe uma regra objetiva.
Neste caso, através da integração
por analogia, será permitida a aplicação da regra que cabe ao caso “B” para a
resolução do caso “A”, respeitando as suas individualidades e de acordo com a
lei.
A analogia pode ser classificada
da seguinte forma:
Analogia Legal (ou Analogia legis) – que é o exemplo acima, qual
seja, a aplicação de uma norma já
existente;
Analogia Jurídica (ou Analogia juris) – onde será utilizado um conjunto de normas para se
extrair elementos que possibilitem a sua aplicabilidade ao caso concreto não
previsto, mas similar.
Costumes
Decorrem da prática reiterada,
constante, pública e geral de determinado ato com a certeza de ser ele
obrigatório. Observem que para ser utilizado deve preencher os elementos: uso
continuado e a certeza de sua obrigatoriedade.
Antigamente, os costumes
desfrutavam de muito prestígio, tendo em vista a pouca legislação ou códigos de
leis. Mas à medida que o ordenamento jurídico foi privilegiando a forma escrita
em detrimento da verbal, a utilização dos costumes para solução de conflitos
foi caindo em desuso.
Para que um comportamento da
coletividade seja considerado como um costume, este deve ser repetido
constantemente de forma uniforme, pública e geral, com a convicção de sua
necessidade jurídica.
São as espécies de costumes:
·
secundum
legem – que é aquele previsto em lei. A lei em seu próprio texto utiliza
expressões como: “...segundo o costume do lugar...”, “...se, por convenção, ou
costume...”, “...de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar...”, “de
conformidade com os costumes da localidade”;
·
praeter
legem – quando os costumes são utilizados de forma a complementar a lei nos
casos de omissão, falta da lei. Exemplo clássico desta espécie de costume é o
cheque pré-datado, o cheque é uma forma de pagamento a vista, porém é
costumeiro que as pessoas o emitam como uma garantia de dívida, para uma data
futura. Esta conduta constituiria crime, porém como se tornou um costume tão
enraizado na sociedade, o juiz utiliza-se do direito consuetudinário e não
considera o ato como crime;
·
contra
legem (também denominado ab-rogatório) – é quando um costume é contrário a
lei, o principal exemplo deste costume encontrado na literatura é o caso da
compra e venda, que só é admitida, se verbalmente, até determinado valor, mas
muitas vezes em cidades do interior as pessoas costumam fazer compras e vendas
de gado em quantias muito altas com um simples acordo verbal e um aperto de
mão. Este comportamento vai contra a lei, mas acaba aceito pelos juízes e
desembarcadores tendo em vista os costumes.
O assunto costumes contra legem
não é pacífico na doutrina, o importante é que você saiba o que é este costume
e, também, que grande parte dos doutrinadores, incluindo Sílvio de Salvo Venosa,
tem o seguinte entendimento:
“Considerado fonte subsidiária, o
costume deverá girar em torno da lei. Portanto, não pode o costume contrariar a
lei, que só pode ser substituída por outra lei”. [4]
Princípios Gerais do Direito.
Os PGD são regras abstratas,
virtuais, que estão na consciência e que orientam o entendimento de todo o
sistema jurídico, em sua aplicação e para sua integração. Antigamente, estes
princípios eram muito utilizados na falta de lei escritas, mas, à medida que
estes princípios foram se transformando em leis e sendo codificados, o seu uso
foi sendo esquecido.
Os princípios gerais do direito
continuam na raiz de todos os sistemas normativos, e no caso de lacuna da lei,
quando não for possível integrá-la por analogia e por costumes estes princípios
serão utilizados pelo magistrado.
Existe uma forma de integração
que não consta no artigo 4º da LINDB, mas é utilizada pelos magistrados e por vezes
cobrada nos concursos.
É a equidade – a busca pelo justo
- que a solução dada ao caso concreto produza justiça.
Temos uma previsão quanto a
equidade no Código de Processo Civil, que, no antigo, estava no arts. 126 e
127, no entanto, no novo CPC esta previsão encontra-se no art. 140:
Art. 140. O
juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento
jurídico.
Parágrafo
único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
O Juiz pode, então, utilizar-se
de equidade para colmatação (preenchimento) da lacuna, desde que não tenha
conseguido suprir esta omissão com os meios informados no artigo 4º da LINDB e,
também, esteja autorizado legalmente. Neste caso a equidade é considerada fonte
do direito e forma de integração das leis.
A equidade pode ter mais de uma
acepção (significado). Quando o juiz fizer uso da equidade, estando autorizado
por lei e para preencher uma lacuna da lei, ele estará produzindo integração da
norma.
De outro modo, se o juiz estiver
fazendo o chamado juízo de equidade, equidade interpretativa, estará ele apenas
se utilizando de um critério (interpretativo) para aplicação da lei.
[1] Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil 1, 28 ed.
[2] Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Esquematizado, 2ª
ed., pág. 77.
[4] 14
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil I, Parte Geral, Ed. Atlas, 11ª ed.
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