A Pirâmide de Kelsen – Hierarquia das normas

Para compreender bem o Direito Constitucional, é fundamental que estudemos a hierarquia das normas, através do que a doutrina denomina “pirâmide de Kelsen”. Essa pirâmide foi concebida pelo jurista austríaco para fundamentar a sua teoria, baseada na ideia de que as normas jurídicas inferiores (normas fundadas) retiram sue fundamento da validade das normas jurídicas superiores (normas fundantes). Iremos, a seguir, nos utilizar da “pirâmide de Kelsen” para explicar o escalonamento normativo jurídico brasileiro. A pirâmide de Kelsen tem a Constituição com seu vértice (topo), por ser está fundamento de validade de todas as demais normas do sistema. Assim nenhuma norma do ordenamento jurídico pode se opor à Constituição: ela é superior a todas as demais normas jurídicas, as quais são, por isso mesmo, denominadas infraconstitucionais. Na Constituição, há normas constitucionais originárias e normas constitucionais derivadas. As normas constitucionais originárias são produto do Poder Constituinte Originário ( o poder que elabora uma nova Constituição); elas integram o texto constitucional desde que ele foi promulgado, em 1988. Já as normas constitucionais derivadas são aquelas que resultam da manifestação do Poder Constituinte Derivado ( o poder que altera a Constituição); são as chamadas emendas constitucionais, que também se situam no topo da pirâmide de Kelsen. Ressalta-se alguns entendimentos doutrinários e jurisprudências relevantes sobre a temática:
  • Não existe hierarquia entre as normas constitucionais originárias. Assim sendo, não importa qual é o conteúdo da norma. Todas as normas constitucionais originárias têm o mesmo status hierárquico. Nessa ótica, as normas as definidoras de direitos e garantias fundamentais têm a mesma hierarquia do ADCT ( Atos das Disposições Constitucionais Transitórias).
  • Não existe hierarquia entre normas constitucionais originárias e normas constitucionais derivadas.
  • Embora não exista hierarquia entre normas constitucionais originárias e derivadas, há uma importante diferença entre elas: as normas constitucionais originárias não podem ser declaradas inconstitucionais. Em outras palavras, as normas constitucionais originárias não podem ser objeto de controle de constitucionalidade, todavia, as emendas constitucionais (normas constitucionais derivadas) poderão, sim, ser objeto de controle de constitucionalidade.
  • O alemão Otto Bachof desenvolveu relevante obra doutrinária denominada “Normas constitucionais inconstitucionais”, na qual defende a possibilidade de que existam normas constitucionais originárias eivadas de inconstitucionalidade. Para o jurista, o texto constitucional possui dois tipos de normas: as cláusulas pétreas (normas cujo conteúdo não pode ser abolido pelo Poder Constituinte Derivado) e as normas constitucionais originárias. As cláusulas pétreas, na visão de Bachof, seriam superiores às demais normas constitucionais originárias e, portanto, serviriam de parâmetro para o controle de constitucionalidade destas. Desse modo, o jurista alemão considerava legítimo o controle de constitucionalidade de normas constitucionais originárias. No entanto, a referida tese não foi adotada pelo Brasil. As cláusulas pétreas se encontram no mesmo patamar hierárquico das demais normas constitucionais originárias.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº5 45/2004, abriu-se um nova e importante possibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Os tratados e convenções internacionais de direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, passaram a ser equivalentes às emendas constitucionais. Situam-se, portanto, no topo da pirâmide de Kelsen, tendo “status” de emenda constitucional. Diz-se que os tratados de direitos humanos, ao serem aprovados por esse rito especial, ingressam no chamado “bloco de constitucionalidade”. Em virtude da matéria de que tratam (direitos humanos), esses tratados estão gravados por cláusula pétrea e, portanto, imunes à denúncia pelo Estado brasileiro. O primeiro tratado de direitos humanos a receber o status de emenda constitucional foi a “Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo”. Os demais tratados internacionais sobre direitos humanos, aprovados pelo rito ordinário, têm, segundo o STF, “status” supralegal. Isso significa que se situam logo abaixo da Constituição e acima das demais normas do ordenamento jurídico. A EC nº 45/2004 trouxe ao Brasil, portanto, segundo o Prof. Valério Mazzuoli, um novo tipo de controle da produção normativa doméstica: o controle de convencionalidade das leis. Assim, as leis internas estariam sujeitas a um duplo processo de compatibilização vertical, devendo obedecer aos comandos previstos na Carta Constitucional e, ainda, aos previstos em tratados internacionais de direitos humanos regularmente incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. As normas imediatamente abaixo da Constituição (infraconstitucionais) e dos tratados internacionais sobre direitos humanos são as leis (complementares, ordinárias e delegadas), as medidas provisórias, os decretos legislativos, as resoluções legislativas, os tratados internacionais em geral incorporados ao ordenamento jurídico e os decretos autônomos. Novamente, gostaria de trazer à baila alguns entendimentos doutrinários e jurisprudências:
  • Ao contrário do que muitos podem ser levados a acreditar, as leis federais, estaduais, distritais e municipais possuem o mesmo grau hierárquico. Assim sendo, um eventual conflito entre leis federais e estaduais ou entre leis estaduais e municipais não será resolvido por um critério hierárquico; a solução dependerá da repartição constitucional de competências. Deve-se perguntar o seguinte: de qual ente federativo (União, Estados ou Municípios) é a competência para tratar do tema objeto da lei? Nessa ótica, é plenamente possível que num caso concreto, uma lei municipal prevaleça diante de uma lei federal.
  • Existe hierarquia entre a Constituição Federal, as Constituição Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios? Sim a Constituição Federal está no patamar superior ao das Constituições Estaduais que, por sua vez, são hierarquicamente superiores às Leis Orgânicas.
  • As leis complementares podem tratar de tema reservado às leis ordinárias. Esse entendimento deriva da ótica do “quem pode mais, pode menos”. Ora, se a CF/88 exige lei ordinária (cuja aprovação é mais simples!) para tratar de determinado assunto, não há óbice a que uma lei complementar regule o tema. No entanto, caso isso ocorra, a lei complementar será considerada materialmente ordinária; essa lei complementar poderá, então, ser revogada ou modificada por simples lei ordinária. Diz-se que, nesse caso, a lei complementar irá subsumir-se ao regime constitucional da lei ordinária.
  • As leis ordinárias não podem tratar de tema reservado às leis complementares. Caso isso ocorra, estaremos diante de um caso de inconstitucionalidade formal (normodinâmica);
  • Os regimentos dos tribunais do Poder Judiciário são considerados normas primárias, equiparados hierarquicamente às leis ordinárias. Na mesma ótica, encontram-se as resoluções do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e do CNJ ( Conselho Nacional de Justiça)
  • Os regimentos das Casas legislativas (Senado e Câmara dos Deputados), por constituírem resoluções legislativas, também são considerados normas primárias, equiparados hierarquicamente às leis ordinárias.
Finalmente, abaixo das leis encontram-se as normas infralegais. Elas são normas secundárias, não tendo poder de gerar direitos, nem, tampouco, de impor obrigações. Não podem contraria as normas primárias, sob pena de invalidade. É o caso dos decretos regulamentares, portarias, das instruções normativas, dentre outras.

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