Aplicabilidade das normas constitucionais



O estudo da aplicabilidade das normas constitucionais é essencial à correta interpretação da Constituição Federal. É a compreensão da aplicabilidade das normas constitucionais que nos permitirá entender exatamente o alcance e a realizabilidade dos diversos dispositivos da Constituição. Todas as normas constitucionais apresentam juridicidade. Todas elas são imperativas e cogentes ou, em outras palavras, todas as normas constitucionais surtem efeitos jurídicos: o que varia entre elas é o grua de eficácia. A doutrina americana (clássica) distingue duas espécies de normas constitucionais quanto à aplicabilidade: as normas autoexecutáveis “self executing “ e as normas não-autoexecutáveis. As normas autoexecutáveis são normas que podem ser aplicadas sem a necessidade de qualquer complementação. São normas completas, bastantes em si mesma. Já as normas não-autoexecutáveis depende de complementação legislativa antes de serem aplicadas: são as normas incompletas, as normas programáticas (que definem diretrizes para as políticas públicas) e as normas de estruturação (instituem órgãos, mas deixam para a lei a tarefa de organizar o seu funcionamento). Embora a doutrina americana seja bastante didática, a classificação das normas quanto à sua aplicabilidade mais aceita no Brasil foi proposta pelo Prof. José Afonso da Silva. A partir da aplicabilidade das normas constitucionais, José Afonso da Silva classifica as normas constitucionais em três grupos: I) Normas de eficácia plena; II) Normas de eficácia contida e III) Normas de eficácia limitada . 1) Normas de eficácia plena São aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos que o legislador constituinte quis regular. É o caso do art. 2º da CF/88, que diz: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o Executivo e o Judiciário”. As normas de eficácia plena possuem as seguintes características a) São autoaplicáveis, é dizer, elas independem de lei posterior regulamentadora que lhes complete o alcance e o sentido. Isso não quer dizer que não possa haver lei regulamentadora versando sobre uma norma de eficácia plena; a lei regulamentadora até pode existir, mas a norma de eficácia plena já produz todos os seus efeitos de imediato, independentemente de qualquer tipo de regulamentação. b) São não-restringíveis, ou seja, caso exista uma lei tratando de uma norma de eficácia plena, esta não poderá limitar sua aplicação. c) Possuem aplicabilidade direita (não dependem de norma regulamentadora para produzir seus efeitos), imediata (estão aptas a produzir todos os seus efeitos desde o momento em que é promulgada a Constituição) e integral (não podem sofrer limitações ou restrições em sua aplicação). 2) Normas constitucionais de eficácia contida ou prospectiva: São normas que estão aptas a produzir todos os seus efeitos desde o momento da promulgação da Constituição, mas que podem ser restringidas por parte do Poder Público. Cabe destacar que a atuação do legislador, no caso das normas de eficácia contida, é discricionária: ele não precisa editar a lei, mas poderá fazê-lo. As normas de eficácia contida possuem as seguintes características: A) São autoaplicáveis, ou seja, estão aptas a produzir todos os seus efeitos, independentemente da lei regulamentadora. Em outras palavras, não precisam de lei regulamentadora que lhes complete o alcance ou sentido. Vale destacar que, antes da lei regulamentadora ser publicada, o direito previsto em uma norma de eficácia contida pode ser exercitado de maneira ampla(plena); só depois da regulamentação é que haverá restrições ao exercício do direito. B) São restringíveis, isto é, estão sujeitas a limitações ou restrições, que podem ser impostas por: a. Uma lei: o direito de greve, na iniciativa privada, é norma de eficácia contida prevista no art. 9º, da CF/88. Desde a promulgação da CF/88. Desde a promulgação da CF/88, o direito de greve já podia ser exercido pelos os trabalhadores do regime celetista; no entanto, a lei poderá restringi-lo, definindo os “serviços ou atividades essenciais” e dispondo sobre “o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. b. Outra norma constitucional: o art. 139, da CF/88 prevê a possibilidade de que sejam impostas restrições a certos direitos e garantias fundamentais durante o estado de sítio. c. Conceitos éticos-jurídicos indeterminados: o art. 5º, inciso XXV, da CF/88 estabelece que, no caso de “iminente perigo público”, o Estado poderá requisitar propriedade particular. Esse é um conceito ético-jurídico que poderá então limitar o direito de propriedade. C) Possuem aplicabilidade direita (não dependem de norma regulamentadora para produzir seus efeitos) imediata (estão aptas a produzir todos os seus efeitos desde o momento em que é promulgada a Constituição) e possivelmente não-integral (estão sujeitas a limitações ou restrições). 3) Normas constitucionais de eficácias limitada São aquelas que dependem de regulamentação futura para produzirem todos os seus efeitos. Um exemplo de norma de eficácia limitada é o art. 37, inciso VII, da CF/88, que trata do direito de greve dos servidores públicos “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Ao ler o dispositivo supracitado, é possível perceber que a Constituição Federal de 1988 outorga aos servidores públicos o direito de greve, no entanto, para que este possa ser exercido, faz-se necessária a edição de lei ordinária que o regulamente. Assim, enquanto não editada essa norma, o direito não pode ser usufruído. As normas constitucionais de eficácia limitada possuem as seguintes características: a) São não-autoaplicáveis, ou seja, dependem de complementação legislativa para que possam produzir os seus efeitos. b) Possuem aplicabilidade indireta (dependem de norma regulamentadora para produzir seus efeitos) mediata ( a promulgação do texto constitucional não é suficiente para que possam produzir todos os seus efeitos) e reduzida (possuem um grau de eficácia restrito quando da promulgação da Constituição). O professor José Afonso da Silva subdivide as normas de eficácia limitada em dois grupos: 1) Normas declaratória de princípios institutivos ou organizativos: são aquelas que dependem de lei para estrutura e organizar as atribuições de instituições, pessoas e órgãos previstos na Constituição. É o caso , por exemplo, do art. 88, da CF/88, segundo o qual “ a lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública.” As normas definidoras de princípios institutivos ou organizativos podem ser impositivas (quando impõem ao legislador uma obrigação de elaborara a lei regulamentadora) ou facultativa (quando estabelecem era faculdade ao legislador). 2) Normas declaratórias de princípios programáticos: são aquelas que estabelecem programas a serem desenvolvidos pelo legislador infraconstitucional. Um exemplo é o art. 196 da Carta Magna “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem À redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Cabe destacar que a presença de normas programáticas na Constituição Federal é que nos permite classificá-la como uma Constituição-dirigente. É importante destacara que as normas de eficácia limitada, embora tenha aplicabilidade reduzida e não produzam todos os seus efeitos desde a promulgação da Constituição, possuem eficácia jurídica, a chamada eficácia mínima. As normas de eficácia limitada produzem imediatamente, desde a promulgação da Constituição, dois tipos de efeitos: I) Efeito negativo: consiste na revogação de disposições anteriores em sentido contrário e na proibição de leis posteriores que se oponham a seus comandos. Sobre esse último ponto, vale destacar que as normas de eficácia limitada servem de parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis; II) Efeito vinculativo: que se manifesta na obrigação de que o legislador ordinário edite leis regulamentadoras, sob pena de haver omissão inconstitucional, que pode ser combatida por meio de mandado de injunção ou Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Ressalta-se que o efeito vinculativo também se manifesta na obrigação de que o Poder Público concretize as normas programáticas previstas no texto constitucional. A Constituição não pode ser uma mera “folha de papel”, as normas constitucionais devem refletir a realidade política-social do Estado e as políticas públicas devem seguir as diretrizes traçadas pelo Poder Constituinte Originário.

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