Poder Constituinte

A teoria do poder constituinte foi originalmente concebida pelo abade francês Emmanuel Sieyès, no século XVIII, em sua obra “O que é o Terceiro Estado?”.
Nesse Trabalho, concluído às vésperas da Revolução Francesa, o autor trouxe a tese inovadora, que rompia com a legitimação dinástica do poder. Ao mesmo tempo, colocava por terra as teorias anteriores ao iluminismo, que determinavam que a origem do poder era divina.
A teoria do poder constituinte, que se aplica somente aos Estados com Constituição escrita e rígida, distingue o poder constituinte de poderes constituídos. Poder Constituinte é aquele que cria a Constituição, enquanto os poderes constituídos são aqueles estabelecidos por ela, ou seja, são aqueles que resultam de sua criação.
Para Emmanuel Sieyès, a titularidade do Poder Constituinte é da nação. Todavia, numa leitura moderna dessa teoria, há que se concluir que a titularidade do Poder Constituinte é do povo, pois só este pode determinar a criação ou modificação de uma Constituição.
Segundo Canotilho, o “problema do titular do poder constituinte só pode ter hoje uma resposta democrática. Só o povo entendido como um sujeito constituído por pessoas – mulheres e homens – pode ‘decidir’ ou deliberar sobre a conformação de sua ordem político-social. Poder constituinte significa, assim, poder constituinte do povo”.
Embora o povo seja o titular do poder constituinte, seu exercício nem sempre é democrático. Muitas vezes, a Constituição é criada por ditadores ou grupos que conquistam o poder autocraticamente.
Assim, diz-se que a forma do exercício do poder constituinte pode ser democrática ou por convenção (quando se dá pelo povo) ou autocrática ou por outorga (quando se dá ação de usurpadores do poder). Note que em ambas as formas a titularidade do poder constituinte é do povo. O que muda é unicamente a forma de exercício deste poder.
A forma democrática de exercício pode ser dar tanto diretamente quanto indiretamente. Na primeira, o povo participa diretamente do processo de elaboração da Constituição, por meio de plebiscito, referendo ou proposta de criação de determinados dispositivos constitucionais. Na segunda, mais frequente, a participação popular se dá indiretamente, por meio de assembleia constituinte, composta por representantes eleitos pelo povo.
A Assembleia Constituinte, quando tem o poder de elaborar e promulgar uma constituição, sem consulta ou ratificação popular, é considerada soberana. Isso se dá por ela representar a vontade do povo. Por esse motivo, seu poder independe de consulta ou ratificação popular.
Diz-se que Assembleia Constituinte é exclusiva quando é composta por pessoas que não pertençam a qualquer partido políticos. Seus representantes seriam professores, cientistas políticos e estudiosos do Direito, que representariam a nação. Assembleia Constituinte de 1988 era soberana, mas não exclusiva.
O poder constituinte pode ser de dois tipos: originário ou derivado.

Poder constituinte originário (poder constituinte de primeiro grau ou genuíno)

É o poder de criar uma nova Constituição. Apresenta seis características que o distinguem do derivado: é político, inicial, incondicionado, permanente, ilimitado juridicamente e autônomo.
  • Político: O Poder Constituinte Originário é um poder de fato (e não um poder de direito). Ele é extrajurídico, anterior ao direito. É ele que cria o ordenamento de um Estado.
Cabe destacar que os jusnaturalistas defendem que o Poder Constituinte seria, na verdade, um poder de direito. A visão de que ele seria um poder de fato é a forma como os positivistas enxergam o Poder Constituinte Originário. Cabe destacar que a doutrina dominante segue a corrente positivista.
  • Inicial: O Poder Constituinte Originário dá início a uma nova ordem jurídica, rompendo com a anterior. A manifestação do Poder Constituinte tem o efeito de criar um novo Estado.
  • Permanente: O Poder Constituinte Originário pode se manifestar a qualquer tempo. Ele no se esgota com a elaboração de uma nova Constituição, mas permanece em “estado de latência”, aguardando uma novo chamado para manifestar-se, aguardando um novo “momento constituinte”.
  • Ilimitado juridicamente: O Poder Constituinte Originário não se submete a limites determinados pelo direito anterior. Pode mudar completamente a estrutura do Estado ou os direitos dos cidadãos, por exemplo, sem ter sua validade contestada com base no ordenamento jurídico anterior. Por esse motivo, o STF entende que não há possibilidade de se invocar o direito adquirido contra normas constitucionais originárias.
A doutrina se divide quanto a essa característica do Poder Constituinte. Os positivistas entendem que, de fato, o Poder Constituinte Originário é ilimitado juridicamente; já os jusnaturalista entendem que ele encontra limites no direito natural, ou seja, em valores suprapositivos. No Brasil, a doutrina majoritária adota a corrente positivista, reconhecendo que o Poder Constituinte Originário é ilimitado juridicamente
Embora os positivistas defendam que o Poder Constituinte Originário é ilimitado, é importante que todos reconheçamos, como o prof. Canotilho, que ele deverá obedecer a “padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade”.
  • Autônomo: tem liberdade para definir o conteúdo da nova Constituição. Destaque-se que muitos autores tratam essa característica com sinônimo de ilimitado.
O Poder Constituinte Originário pode ser classificado, quanto ao momento de sua manifestação, em histórico (fundacional) ou pós-fundacional (revolucionário). O Poder Constituinte Originário histórico é o responsável pela criação da primeira Constituição de um Estado. Por sua vez, o poder pós-fundacional é aquele que cria uma nova Constituição para o Estado, em substituição à anterior. Ressalta-se que essa nova Constituiçãopoderá ser fruto de uma revolução ou de uma transição constitucional.
O Poder Constituinte Originário é, ainda, classificado, quanto às dimensões, em material e formal. Na verdade, esses podem ser considerados dois momentos distintos na manifestação do Poder Constituinte Originário.
O primeiro, há o momento material, que antecede o momento formal; é o poder material que determina quais serão os valores a serem protegidos pela Constituição. É nesse momento que toma-se a decisão de constituir um novo Estado.
poder formal, por sua vez, sucede o poder material e fica caracterizado no momento em que se atribui juridicidade àquele que será o texto da Constituição.
Trataremos, agora, da segunda forma de Poder Constituinte: o Derivado.

O Poder Constituinte Derivado (poder constituinte de segundo grau)

É o poder de modificar a Constituição Federal bem como de elaborar as Constituições Estaduais. É fruto do poder constituinte originário, estando previsto na própria Constituição. Tem como características ser jurídico, derivado, limitado (ou subordinado) e condicionado.
  • Jurídico: é regulado pela Constituição, estando, portanto, previsto no ordenamento jurídico vigente.
  • Derivado: é fruto do poder constituinte originário;
  • Limitado ou subordinado: é limitado pela Constituição, não podendo desrespeitá-la, sob pena de inconstitucionalidade.
  • Condicionado: a forma de seu exercício é determinada pela Constituição. Assim, a aprovação de emendas constitucionais, por exemplo, deve obedecer ao procedimento estabelecido no artigo 60 da Constituição Federal (CF/88).
O Poder Constituinte Derivado subdivide-se em dois:
  1. Poder Constituinte Reformador e;
  2. Poder Constituinte Decorrente.
O primeiro consiste no poder de modificar a Constituição. Já o segundo é aquele que a CF/88 confere aos Estados de se auto-organizarem, por meio da elaboração de suas próprias Constituições.
Ambos devem respeitar as limitações e condições impostas pela Constituição Federal.
Em nosso mundo globalizado, fala-se hoje em um poder constituinte supranacional. Atualmente, tal modalidade de poder constituinte existe na União Europeia, onde vários Estados abriram mão de parte de sua soberania em prol de um poder central. É a manifestação máxima daquilo que se chama direito comunitário, reconhecido como hierarquicamente superior aos direitos internos de cada Estado.

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