Poderes Administrativos: Uma visão simplificada.

Dos diversos princípios informadores do Direito Administrativo decorrem os poderes para as autoridades administrativas, fundamentais para que a finalidade de interesse público seja atingida, sobrepondo as necessidades coletivas às individuais, sobrepondo as necessidades coletivas às individuais. Nascem com a Administração, e são usados para que os objetivos previstos em lei sejam atingidos. Por isso, são chamados instrumentais, ou seja, são ferramentas para atingir os objetivos do Estado.

O exercício do poder não é uma faculdade do administrador, é um “poder-dever”, a ser usado em benefício da coletividade: é irrenunciável. Em face do sempre presente princípio da legalidade, o exercício dos diversos poderes administrativos está adstrito aos contornos legais.

Poder Vinculado

Muitos doutrinadores não veem neste um poder propriamente dito, mas apenas um atributo dos outros poderes.
Para o exercício desse “poder”, devem ser observados todos os contornos traçados pela lei, que não deixa margem de manobra À autoridade responsável.
A lei estabelece todos os detalhes, como deve ser feito, quando, por que etc. Dessa forma, estando presente os requisitos legais, à pessoa competente só resta praticá-lo, de forma com prevista.
Para que seja possível a melhor compreensão do assunto, trago a memória do leitor que ato administrativo é composto de cinco elementos: competência; finalidade; forma; motivo e objeto.
No exercício do Poder Vinculado, esses cinco requisitos são previstos na lei e de observância obrigatória. Ressalte-se que os três primeiros (competência, finalidade e forma), são sempre vinculados, mesmo no âmbito do Poder Discricionário, visto a seguir.
Se um fiscal de tributos constata a omissão de pagamentos de um tributo devido, tem a obrigação de fazer a autuação do contribuinte faltoso, independente de quem seja (art. 3°, CTN, Lei n° 5.172/66). Se constata que um inimigo seu não pagou o tributo devido, deve fazer esse lançamento tanto quanto se a mesma omissão fosse pratica por sua mãe, pois a lei assim determina, e essa é uma atividade vinculada. Perceba que esse poder está diretamente vinculado ao exercício de um ato vinculado.

Poder Discricionário

Da mesma forma que no caso anterior, não se trata de um poder autônomo, mas sim é apenas um atributo de outros poderes.
Nesse caso, a lei também estabelece uma série de regras para a prática de um ato, mas deixa certa dose de prerrogativas à autoridade, que poderá optar por um entre vários caminhos igualmente válidos.
Então, se a lei deixa certo grau de liberdade, diz que há discricionariedade.
No entanto, não existe poder discricionário absoluto, pois sempre a lei fixará os limites de atuação, dentro dos quais deve o agente atuar, sobe pena de prática desvio ou excesso de poder.
Dentro dos elementos supra citados, somente estão na esfera da opção do administrador os dois últimos, ou seja, o motivo e o objeto, quando diante de um ato discricionário, pois, como sobredito, os demais são sempre vinculados. A opção pode ser verificada no motivo, no objeto, ou em ambos.
Cabe, então, à Administração Pública a liberdade na escolha da conveniência e oportunidade para realização do ato. A essa dupla (conveniência + oportunidade) chama-se mérito administrativo.
No mesmo exemplo supracitado, se a lei estabelecer que a multa aplicada em determinado caso pode variar de 10 a 40%, a autoridade fiscal pode fixar multa dentro desses limites. Como tem vários caminhos possíveis, diz-se que tal valoração faz parte da discricionariedade prevista legalmente.
Outro caso típico no Direito Administrativo pode ser visto na estipulação da suspensão aplicada a um servidor faltoso.
Nos termos do art. 130 da Lei n° 8.112/90, poderá ser aplicada suspensão em determinados casos, que não excederá de 90 dias.
Ao fim do processo, concluído que é o caso de aplicação da suspensão, a autoridade poderá fixar um número de dias que variará de um a noventa. Novamente, se há mais de um caminho possível e igualmente válido, há ato discricionário. Aqui, o “quantum” da pena, seu conteúdo. A punição, sua gradação, devem ser sempre motivadas (art. 128, parágrafo único, Lei n° 8.112/90).
Se a autoridade competente quiser destituir um servidor de um cargo em comissão, pode fazê-lo sem maiores problemas, não sendo necessário sequer dizer os motivos, posto que é outro exemplo de ato discricionário.
Acrescente-se que, em se tratando dos conceitos ditos empíricos ou de experiência, fica afastado o exercício do poder discricionário, posto que a prática anterior, e suas conclusões como melhores caminhos a seguir para atingir a finalidade estatal, devem ser observadas por todos.
Por fim, ressalte-se que, além dos limites fixados na lei, a autoridade está sempre adstrita aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para que se evitem as injustiças. Da mesma forma, pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do atoa se vincula à existência, validade ou legitimidade dos motivos que justificaram sua prática.
No que se refere à anulação dos atos discricionários, saliente-se que o ato discricionário ilegal, como qualquer ato ilegal, pode ser revisto, tanto pela Administração Pública quanto pelo Poder Judiciário. No entanto, não compete ao Judiciário a apreciação do mérito administrativo, ou seja, a oportunidade ou conveniência da prática de determinado ato, quando atuando em sua função principal, jurisdicional.
Para que fique claro, o Judiciário pode sim rever critérios de mérito, mas apenas dos seus próprios atos administrativos, ou seja, quando atua em suas funções secundárias, não jurisdicionais.
Se o Presidente de determinado Tribunal resolver alterar o horário de atendimento ao público, atua na sua função administrativa. Concluindo que deixou de ser conveniente esse novo horário, poderá revogá-lo, pois, repita-se, aqui não age enquanto Poder Judiciário propriamente dito, mas sim como administrador.
Então, o Judiciário pode anular um ato ilegal, produzido por qualquer dos Poderes. A revogação de um ato inoportuno ou inconveniente só pode ser feita por quem o praticou, estando vedada análise do mérito pelo Judiciário.

Poder Hierárquico

É a estrutura hierarquizada da Administração Pública que justifica a existência desse Poder. Como sabemos, as duas características essenciais da Administração são a hierarquia e a repartição de competências.
Então, além de a lei dividir entre todos as competências, também estabelece uma relação de coordenação e subordinação entre os vários órgãos, cargos e funções etc., fixando assim a hierarquia, sempre dentro de uma mesma entidade. O que existe entre, por exemplo, um Ministério e uma autarquia denomina-se vinculação, e não subordinação.
Através desse Poder, decorrem as seguintes faculdades atribuídas ao superior, com relação a seu subordinado:
· Dar ordens: as ordens devem ser cumpridas pelos subordinados, exceto quando manifestamente ilegais, situação na qual caberá o dever de representar contra tal ilegalidade (art. 116, IV e XII, Lei n° 8.112/90);
  • Fiscalizar: compete ao superior verificar e acompanhar as tarefas executadas por seus subordinados, para eventuais correções, sempre que necessárias;
  • Delegar: corresponde ao repasse de atribuições administrativas de responsabilidade do superior para o subalterno;
  • Avocar: representa o caminho contrário da delegação, é dizer, acontece a avocação quando o superior atrai para si a tarefa de responsabilidade do subordinado, podendo tal atividade ter sido delegada para este ou ser de sua competência originária;
  • Rever: pode o superior, de ofício ou mediante pedido do interessado, realizar a revisão dos atos de seus subordinados, enquanto não for tal ato definitivo, mantendo-o ou modificando-o.
Também decorre desse Poder a possiblidade de edição de atos normativos, como instruções, resoluções, portarias etc. Não se confunda com regulamentos: esses atos têm aplicação apenas internas e, por isso mesmo, são produzidos com base na relação hierárquica.

Poder Disciplinar

Diretamente relacionado como o Poder Hierárquico, representa o poder-dever de a Administração Pública punir seus servidores sempre que cometam faltas, apuradas mediante sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar (art.143 e seguintes, Lei n° 8.112/90). Pode também haver punição de particular submetido ao controle estatal, como no caso daquele que descumpre contrato administrativo.
Não se confunda este poder com a possibilidade de o Estado punir seu povo tampouco com o exercício de sua capacidade regulatória das atividades cometimento de crimes ou contravenções. No segundo, em que é exemplo aplicação de multa pelo não atendimento de uma exigência sanitária por uma lanchonete, haverá exercício do Poder de Polícia (visto a seguir), por não ser do âmbito interno da Administração Pública.

Poder Regulamentar

A Constituição Federal confere aos chefes do Poder Executivo federal, municipal e estadual poder para editar normas gerais e abstratas que explicam a lei, complementando-a e dando sua correta aplicabilidade.
Como se sabe, a lei não pode descer a minúcias de explicar e esclarecer toda sorte de situação por ela abrangidas. Assim, cabe ao Executivo essa tarefa, clareando seu conteúdo, sem, contudo, exorbitar de seus parâmetros.
Esse tipo de regulamento é expedido para dar a fiel execução da lei (art. 84, IV, CF/88), não podendo ser contrário a ela, tampouco tratar de assunto não tratados por ela. Não pode inovar, ou seja, criar direitos, obrigações, sanções diversas das previstas na lei que regulamenta, mesmo porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei (art. 5°, II, CF/88). Assim, cabe ao regulamento apenas fixar normas para o cumprimento da lei. São também chamados de decretos de execução, únicos possíveis a partir da CF/88.
Outro importante tipo de decreto é o chamado autônomo, editados pelo Executivo, inovando o Direito Positivo, ou seja, criando novas regras diretamente advindas da Constituição. Por isso, são ditos atos primário, independentes de qualquer lei. Sob a égide da ordem constitucional anterior, esse tipo de decreto era plenamente possível.
Com a promulgação, em 1988, da nossa nova Carta Política, foi banido, pois, de acordo com o previsto em seu art. 84, IV, compete privativamente ao Presidente da República, entre outras coisas, expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.
Contudo, essa realidade mudou a partir da edição da Emenda Constitucional n° 32, de 11/09/2001. De fato, alterou-se a redação do inciso VI do mesmo art. 84. Agora, também é competente o Presidente da República para dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da Administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.
Ainda mais, o parágrafo único desse artigo permite que o Presidente da República delegue tais atribuições aos Ministros de Estados, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que deverão observar os limites traçados nas respectivas delegações.
Isto posto, nessas duas situações, e somente nessas, poderá o Executivo editar decreto autônomo, como exceção à regra de edição de apenas decretos de execução.
Acrescente-se que essas matérias passaram a ser de competência do Executivo, afastando a possibilidade de o Legislativo tratar desse assunto, tendo em vista que a mesma EC n° 32/2001, também alterou os incisos X e XI, do art. 48, sobre as competências do Congresso Nacional.
Se o Executivo se omite de exercer seu poder-dever de regulamentar as leis, caberá, por expressa previsão constitucional, o uso do mandado de injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão.

Poder de Polícia

Uma série de direitos são garantidos à sociedade pela legislação. Contudo o exercício desses direitos não pode ser ilimitado, devendo haver regulação do uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em atenção ao benefício comum do povo.
Assim, disciplina-se o direito à livre manifestação do pensamento, à propriedade, ao trânsito, ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, e tantos outros no nosso cotidiano.
É no exercício do Poder de Polícia que a Administração Pública limita, disciplina, fiscaliza o cumprimento etc., sempre baseado no interesse público, manifestando-se por meio de atos normativos e concretos.
A propósito do tema, cite-se a definição de Poder de Polícia inserida no Código Tributário Nacional, em seu art. 78:
“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividade econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância de processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Então, numa tentativa de dar um conceito mais conciso, Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade ou liberdades, em prol da coletividade ou do Estado. O exercício desse Poder independe de prévio recurso ao Judiciário para que se executem suas decisões nesse âmbito, em face do atributo da auto-executoriedade.
Os atos de polícia possuem elementos, os quais são:
  • Editado pela Administração Pública ou por quem lhe faça as vezes;
  • Fundamento num vínculo geral;
  • Interesse público e social;
  • Incidir sobre a propriedade ou sobre liberdade.
Fundamenta-se na Supremacia do Estado, e tem como objeto os bens, direitos e atividades que de alguma forma afetem ou possam afetar a coletividade. Lembre-se: a finalidade é sempre atender e proteger o interesse público.
No exercício desse Poder, podemos citar como exemplos a fixação e fiscalização de normas sanitárias para funcionamento de um açougue ou supermercado, ou de limites de barulho produzido por casas noturnas, ou ainda, verificação do cumprimento das normas de prevenção de incêndios de novas construções. Nesse contexto, temos as autorizações, que são expedidas pela Administração discricionariamente, e as licenças, que são atos vinculados.
Importante frisar que Polícia Administrativa não se confunde com Polícia Judiciária. A primeira, em geral, é preventiva e tem como objeto a propriedade e a liberdade; a segunda, repressiva, e cuida de pessoas, sujeitas, as normas processuais penais.

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