Aposentadoria do Servidor Público

Em 31 de dezembro de 2003 foi publicada a Emenda Constitucional nº 41 (de 19 de dezembro de 2003), que alterou diversos dispositivos constitucionais, em especial no que concerne às regras do regime de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, além de suas autarquias e fundações.
A primeira reforma previdenciária ocorreu em 1998, através da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro daquele ano. Ressalte-se que, apesar dessas alterações vigentes há mais de cinco anos, o legislador ordinário não atualizou o Estatuto, mantendo o texto original, que, por óbvio, foi derrogado tacitamente.
Agora, novas e profundas alterações nas regras sobre esse tema são observadas. Assim sendo, ainda que a letra da Lei não tenha sido alterada, em face da supremacia constitucional vigente em nosso ordenamento, aqui serão analisadas as determinações constantes da EC nº 41/2003, acrescidas dos itens não revogados do Estatuto.
Os titulares de cargos efetivos têm um regime de previdência diferenciado dos demais trabalhadores, sejam eles da iniciativa privada, ou titulares exclusivamente de cargos em comissão, temporários ou empregos públicos. Estes últimos são regidos pela CLT, seguindo os ditames do art. 201 da CF/88 (art. 40, § 13, CF/88).
O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos segue os dispositivos do art. 40 da CF/88. Ambas as reformas objetivavam um melhor equilíbrio nas contas previdenciárias. A primeira, de 1998, fixou limites mínimos de idade para aposentadoria e tempo mínimo de exercício no cargo e no serviço público, pois, antes dessa reforma, poderia trabalhar (e contribuir) na iniciativa privada por toda a vida e, aprovado em concurso público às vésperas de se aposentar, usufruir proventos integrais, com quase nenhuma participação com contribuições previdenciárias para esse regime.
A norma atual acabou com a aposentadoria com proventos integrais para aqueles que ingressaram a partir da publicação da referida EC e instituiu contribuição previdenciária aos aposentados e pensionistas que percebam valores superiores a determinado patamar (art. 40, § 18, CF/88).
Para aqueles que ingressaram no serviço público antes dessa data, fixou regras de transição (art. 6º da EC nº 41/2003), garantindo também os direitos já adquiridos pelos aposentado e pensionistas, ainda que não usufruídos (art. 3º da EC nº 41/2003).
Outro ponto a ser destacado foi a previsão de instituição de regime de previdência complementar com planos de benefícios na modalidade contribuição definida, não sendo, no entanto, de criação obrigatória, mas sim facultativa.
A seguir as regras constitucionais do atual regime de previdência dos servidores ingressados após 31/12/2003, cujo art. 40, em seu caput, assim determina:
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.”
Importante modificação foi inserta no caput supra transcrito. Previa-se um regime de previdência de caráter contributivo; acrescentou-se que será também solidário. Assim, o que importa é o quantum de contribuição durante a vida laboral, não bastando o tempo de serviço, sendo que participarão do custeio, além do respectivo ente público, os servidores ativos, inativos e os pensionistas. A contribuição dos entes públicos não era expressamente prevista até então, bem assim dos aposentados e pensionistas, o que, sem dúvidas, resulta num importante acréscimo de receitas para o sistema. A necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial foi prevista na reforma de 1998 e repetida nesta.
Sendo um sistema solidário, fica patente que deve contar com a participação de todos, como, aliás, já se previa no art. 195 da CF/88. Assim, justifica-se a contribuição agora exigida dos aposentados e dos pensionistas: estes não contribuem mais para seu próprio benefício, posto que já o recebem, mas sim para todo o sistema.
Os servidores abrangidos por esse regime de previdência terão calculados os seus proventos a partir da média dos valores de sua remuneração num determinado período, a ser fixado por lei. Assim, acaba a aposentadoria com proventos integrais, ou seja, iguais ao valor da última remuneração do servidor, como era a regra anterior (art. 40, §§ 1º e 3º, CF/88).
Esses valores considerados para o cálculo do benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei (art. 40, § 17, CF/88). Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão (art. 40, § 2º, CF/88).
Pode parecer inútil essa previsão, posto que não existe mais aposentadoria integral. Porém, poderia ocorrer de o cálculo resultar num benefício maior que a última remuneração.
É vedada a percepção de mais de uma aposentadoria neste regime, exceto aquelas decorrentes dos cargos acumuláveis na forma da Constituição (art. 40, § 6º, CF/88). Também está vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria no regime próprio dos servidores, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar (art. 40, § 4º, CF/88).
Outra importante modificação diz respeito à paridade entre ativos e aposentados. A antiga redação do § 8º do art. 40, CF/88, garantia que os proventos de aposentadoria e as pensões seriam revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificasse a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.
Essa garantia de paridade foi suprimida. A nova redação desse parágrafo passou a apenas assegurar o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. Fácil é perceber que deferiu-se ao legislador ordinário a tarefa de estabelecer esses valores que, como se tornou comum, em nada preserva o valor real, como determina a Lei Maior.
A depender das políticas adotadas, em poucos anos os proventos podem tornar-se muito inferiores à remuneração do pessoal da ativa, o que seria mesmo inconcebível. O art. 189 do Estatuto continha previsão de paridade, mas foi tacitamente revogado.
Admite-se que cada um dos entes institua regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, podendo fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas por esse regime próprio, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (art. 40, § 14, CF/88).
Se fixado esse limite máximo, cabe ao ente, obrigatoriamente, a implementação desse regime complementar, via lei ordinária, de iniciativa do respectivo Poder Executivo, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida (art. 40, § 15, CF/88).
De qualquer forma, deverá observar as regras do art. 202 e parágrafos, da CF/88, sobre o regime de previdência privada, regulado por lei complementar (LC nº 109/2001). Esse regime complementar nada mais é que uma forma de elevar o valor da aposentadoria, ou seja, o beneficiário receberá o valor relativo ao teto eventualmente estabelecido no RPPS e mais um valor, do regime complementar, para o qual contribuiu facultativamente.
Aos servidores que tiverem ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar garante-se o direito à opção de se manter no regime original ou migrar para o regime de previdência complementar (art. 40, § 16, CF/88).
São as seguintes as modalidades para a aposentadoria, com seus respectivos requisitos (art. 40, § 1º, CF/88):
  • · Por invalidez permanente: a regra é ter proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Porém, algumas exceções foram previstas: se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. Nestes casos, caberá ao legislador ordinário estabelecer a forma de cálculo dos proventos, posto que não se pode mais interpretar como sendo integral, situação que não mais existe. A média pura e simples também não pode ser aplicada de imediato, pois, no caso de alguém que sofra, por exemplo, um acidente em serviço na primeira semana de trabalho, não teria ainda contribuído com o sistema, não sendo factível tal média.
A definição de doença grave, contagiosa ou incurável, foi promovida pelo Estatuto, em seu art. 186, § 1º, que permanece válida enquanto nova lei não a altere:
“§ 1º Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.”
Nos casos de exercício de atividades consideradas insalubres ou perigosas, a aposentadoria, segundo o Estatuto, observará o disposto em lei específica (art. 186, § 2º).
Ressalte-se ainda que, nessa modalidade de aposentadoria, o servidor será submetido à junta médica oficial, que atestará a invalidez, quando caracterizada a incapacidade para o desempenho das atribuições do cargo ou a impossibilidade de readaptação (arts. 24 e 186, § 3º).
A aposentadoria por invalidez vigorará a partir da data da publicação do respectivo ato (art. 188), sendo precedida de licença para tratamento de saúde, por período não excedente a 24 (vinte e quatro) meses (art. 188, § 1º).
Se expirado o período de licença e não estiver em condições de reassumir o cargo ou de ser readaptado, o servidor será aposentado (art. 188, § 2º), e considerado como de prorrogação da licença o lapso de tempo compreendido entre o término da licença e a publicação do ato da aposentadoria (art. 188, § 3º).
O art. 190 do Estatuto determinava que “o servidor aposentado com provento proporcional ao tempo de serviço, se acometido de qualquer das moléstias especificadas no art. 186, § 1º, passará a perceber provento integral”. Como já mencionado, caberá ao legislador ordinário estabelecer o valor dos proventos, não cabendo mais se falar em valores integrais, mas sim na média das contribuições (art. 40, § 3º, CF/88). Também destaque-se que, desde a EC nº 20/98, a expressão “tempo de serviço” deve ser substituída por “tempo de contribuição”.
  • Compulsória: será aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Será automática, e declarada por ato, com vigência a partir do dia imediato àquele em que o servidor atingir a idade-limite de permanência no serviço ativo (art. 187).
  • Voluntária: desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
  1. Sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher. Os proventos serão calculados sobre a média atualizada das contribuições, na forma que a lei estabelecer.
  2.  Sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Assim, calcula-se o valor seguindo a regra anterior e aplica-se o percentual relativo entre o tempo de contribuição efetiva e o tempo total previsto. Por exemplo, se um homem se aposentar com 65 anos de idade, contribuindo por 28 anos, ganhará 80% do que ganharia se tivesse contribuído pelos 35 anos previstos.
A aposentadoria voluntária vigorará a partir da data da publicação do respectivo ato (art. 188).
O professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, terá reduzidos em cinco anos os requisitos de idade e de tempo de contribuição, em relação ao disposto no art. 40, § 1°, III, ‘a’, CF/88, ou seja, com cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se homem, e cinquenta anos de idade e vinte e cinco de contribuição, se mulher. Aqui também terá direito aos proventos calculados sobre a média atualizada das contribuições, na forma que a lei estabelecer (art. 40, § 5º, CF/88).
Relevante acrescentar que, na sessão de julgamento de 26/11/2003, o Supremo Tribunal Federal aprovou 15 novos enunciados, que passaram a integrar a Súmula da Jurisprudência Predominante da nossa Corte Máxima. Entre eles, veja-se o de nº 726: “Para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula.”
A previsão do art. 190 do Estatuto deve ser analisada segundo a nova ordem constitucional, in verbis:
“Art. 190. O servidor aposentado com provento proporcional ao tempo de serviço, se acometido de qualquer das moléstias especificadas no art. 186, § 1º, passará a perceber provento integral.”
Como ressabido, não mais existe o instituto da aposentadoria com provento integral; o valor deverá ser compatibilizado com as novas regras a serem criadas pelo legislador ordinário, considerando a aposentadoria prevista no art. 40, § 1º, I, CF/88.
Quando proporcional ao tempo de contribuição, o provento não será inferior a 1/3 (um terço) da remuneração da atividade (art. 191). Enquanto não estabelecida nova fórmula pelo legislador ordinário, entendo que esse artigo continua plenamente válido.
Ao servidor aposentado será paga a gratificação natalina, até o dia vinte do mês de dezembro, em valor equivalente ao respectivo provento, deduzido o adiantamento recebido (art. 194).
Sobre as regras de transição para aqueles que ingressaram no serviço público antes da publicação da EC nº 41/2003, manteve-se o direito à aposentadoria integral, desde que preencham, cumulativamente, as seguintes condições (art. 6º da EC nº 41/2003):
I. Sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher;
II. Trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
III. Vinte anos de efetivo exercício no serviço público; e
IV. Dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria.
Quanto à paridade, não foi mantida de forma ampla, como antes, posto que prevê apenas que os proventos das aposentadorias serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sem incluira previsão de serem também estendidos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidas aos servidores em atividade (art. 6º, parágrafo único, EC nº 41/2003).
Aos que já estavam aposentados ou tinham direito adquirido à aposentadoria quando da publicação da EC nº 41/2003, foram mantidos todos os direitos, em especial a integralidade, se fosse o caso, e a paridade dos proventos com a remuneração dos ativos (art. 7º da EC nº 41/2003).
No entanto, segundo tem entendido o STF, a paridade, mesmo para estes, não é absoluta, mas apenas se refere a benefícios ou vantagens de natureza geral, ficando de fora aqueles que, por sua natureza, só possam ser atribuídos ao servidor da ativa, como o vale alimentação ou auxílio-alimentação.
Vale destacar a instituição do chamado “abono de permanência”, instituído para beneficiar e incentivar aqueles que, tendo cumprido todos os requisitos para a aposentadoria, permanecem laborando. Assim, receberão a mais o equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária, até completar as exigências para aposentadoria compulsória (art. 40, § 19, CF/88).
Por fim, o valor dos proventos não poderá ser superior ao teto estabelecido pelo art. 37, XI, CF/88, com a redação também dada pela mesma EC nº 41/2003. Aplica-se o mesmo limite para as aposentadorias que possam ser acumuladas, bem assim à soma da aposentadoria com a remuneração de cargo efetivo acumulável, de cargo em comissão e de cargo eletivo

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Pirâmide de Kelsen – Hierarquia das normas

Jurisdição e Equivalentes Jurisdicionais

Princípio da intangibilidade salarial